O governo municipal do Rio de Janeiro começou a retirar anúncios publicitários instalados em locais considerados inadequados em 22 bairros do centro e da zona sul da capital. Cerca de 100 agentes da Secretaria Especial de Ordem Pública (Seop) removeram desde a manhã desta quinta-feira (3) mais de 17 anúncios, entre os quais outdoors, lonas e um painel de LED, em diversas ruas. Não houve qualquer tipo de objeção.
De acordo com a prefeitura, nos próximos 180 dias todas as peças publicitárias que possam ser vistas da rua estão sendo imediatamente retiradas –medida autorizada pelo decreto municipal 35.507–, restando apenas as placas indicativas. Inspirado no projeto “Cidade Limpa”, criado pela Prefeitura de São Paulo, o “Rio Limpo” prevê multa diária de R$ 570 para lojas e empresas que não acatarem as novas regras.
Os funcionários da Seop iniciaram os trabalhos removendo os anúncios somente das coberturas e fachadas laterais, mas a fiscalização também inclui outdoors, tapumes e redes de proteção de obras. Até a publicidade governamental terá que se adequar ao projeto. Porém, anúncios relativos à Copa do Mundo de 2014 e aos Jogos Olímpicos de 2016 estarão isentos.
As peças referentes aos eventos culturais exibidos em museus, teatros e áreas reservadas a cinemas para fixação de banners e pôsteres de filmes em exibição também estão isentas. No entanto, há uma limitação de 10% do tamanho da fachada. Além disso, as placas indicativas (como as de lanchonetes, por exemplo) passarão a ter dimensões proporcionais e não poderão estar associadas a marcas de empresas.
Os shoppings e centros comerciais nos quais não há lojas voltadas para a rua também terão que se adequar às novas regras. Naqueles que têm lojas voltadas para a rua, por sua vez, a limitação para mensagens publicitárias será de 1,5 m –os indicativos também devem ser projetados de forma proporcional ao tamanho das fachadas.
Copa do Mundo pode
A exceção concedida às peças publicitárias referentes aos grandes eventos esportivos que serão sediados na capital fluminense é um dos argumentos utilizados pela Associação Brasileira de Agências de Publicidade (Abap-RJ) para questionar o programa. Segundo o diretor-jurídico do órgão, João Luís Faria Netto, o “Rio Limpo” é uma “discriminação contra o anunciante”. Ele estima que o projeto pode deixar de cinco a dez mil pessoas desempregadas.
“A Copa do Mundo está liberada, mas digamos que uma determinada cervejaria seja a patrocinadora do Mundial. Essa empresa vai poder colocar anúncio nesses locais? Acho que essa é uma medida que não pode partir do viés proibitivo. Temos que ordenar, sim, mas com clareza. Há uma frase que diz: nos tempos modernos, uma cidade sem publicidade é uma cidade triste. Não podemos fazer como em São Paulo, onde retiraram um relógio histórico que era mantido pelo Banco Itaú, por exemplo”, disse.
Além da possibilidade de várias demissões, que atingiria profissionais contratados exatamente para esse tipo de produto, e das gráficas que oferecem serviços dessa natureza, a Abap argumenta que a retirada dos anúncios das coberturas e fachadas laterais dos edifícios podem gerar um aumento ainda não calculado nas taxas dos condomínios, cujos preços já são considerados altos em função do crescimento imobiliário na cidade.
Netto afirma que os representantes da Abap participaram nos últimos dois anos de várias reuniões com a Secretaria Especial de Ordem Pública com o objetivo de chegar a um consenso a respeito do ordenamento visual dos anúncios publicitários. “Tentamos ajudar nesses encontros. Mas não nos convocaram mais, de uma hora para outra. De repente, a prefeitura sai com esse decreto. Vamos acatar, claro, mas o Rio não possui um projeto de equipamento urbano como existe em São Paulo. Aqui, a publicidade não é licitada”, explica.
No ano passado, o diretor-jurídico da Abap sugeriu à Prefeitura do Rio que a publicidade externa fosse categorizada como prestação de serviços, o que possibilitaria o recolhimento de ISS. No entanto, as conversas não avançaram. “Essas organizações poderiam contribuir, e assim teríamos um serviço propriamente dito, formalizado e organizado. Esses recursos tributários poderiam ser utilizados em museus e outros espaços culturais. Nova York, por exemplo, vive disso”, afirmou.
Apesar da insatisfação, Netto garante que a associação não tomará nenhuma iniciativa jurídica para tentar barrar o “Rio Limpo”.
Para o pesquisador do Instituto Pólis Kazuo Nakano, especialista em urbanismo e desenvolvimento das cidades, a “diminuição da poluição visual e controle dos anúncios nos prédios e outros locais” gera um efeito positivo para as metrópoles. O projeto vale, segundo ele, principalmente para o Rio de Janeiro, que possui uma forte característica paisagista.
“Quando a situação é exagerada, como era aqui em São Paulo antes do Cidade Limpa, esse tipo de controle é bastante positivo. Um efeito que é notado não só pelos especialistas. As pessoas também se sentem mais confortáveis em relação à utilização do espaço público. O problema não se refere necessariamente à quantidade de anúncios, e sim sobre a forma como eles são desenvolvidos. Em algumas cidades do mundo, os anúncios são projetados para valorizar os elementos arquitetônicos”, disse.
- Tarja de publicidade irregular é colocada em painel do Bradesco no Rio de Janeiro
“Em uma cidade como o Rio de Janeiro, é fundamental esse tipo de adequação. São grandes valores urbanísticos, paisagens exuberantes, e esses elementos visuais exagerados prejudicam a composição da cidade. O risco de erro na confecção de um anúncio publicitário é muito maior no Rio. Você pode efetivamente prejudicar os horizontes que são tão apreciados pelo povo do Rio e pelos turistas”, completou.
Nakano afirma que as cidades brasileiras ainda estão “engatinhando” quando o assunto é ordenamento visual, e que em grandes cidades da Europa, a exemplo de Berlim, na Alemanha, tal política já existe há muito tempo. “Eles têm uma legislação definida e comissões responsáveis por garantir isso. Na América Latina, a nossa tradição de ocupação de espaços públicos é totalmente desregulada”, finalizou.
Abrangência
O decreto municipal 35.507, publicado no Diário Oficial da capital nesta quinta-feira (3), estabelece uma série de proibições e regulamentações a respeito da publicidade externa. Os 22 bairros do centro e da zona sul escolhidos para a primeira fase do projeto correspondem à recém-criada Zona de Preservação Paisagística e Ambiental 1 (ZPPA-1). São eles: Santo Cristo, Gamboa, Caju, Centro, Lapa, Botafogo, Catete, Cosme Velho, Flamengo, Glória, Humaitá, Urca, Copacabana, Leme, Lagoa, Leblon, Ipanema, Gávea, Jardim Botânico, São Conrado e Vidigal.
Segundo estimativas da Secretaria Especial de Ordem Pública, há cerca de 30 outdoors, 200 propagandas nas fachadas laterais e 70 letreiros nas coberturas dos prédios –classificados como irregulares, de acordo com as novas regras– situados na área de abrangência da ZPPA-1. A prefeitura afirma que as demais regiões da capital devem ser incluídas no programa a partir do ano que vem.
“O Projeto Rio Limpo tem a finalidade de proteger e devolver ao cidadão as paisagens cariocas como o Pão de Açúcar, o Corcovado e o Aterro do Flamengo, por exemplo. O Rio é conhecido internacionalmente como Cidade Maravilhosa por suas belezas naturais e não por conta da poluição visual causada pela publicidade”, disse Alex Costa, secretário de Ordem Pública.
Na operação de ontem, um dos primeiros letreiros retirados pelos agentes da Seop foi um do banco Bradesco, que estava localizado na cobertura de um edifício da avenida Beira-Mar, no centro do Rio. O anúncio foi sinalizado com uma faixa preta que diz: “Publicidade irregular”.
Procurada pela reportagem do UOL, a assessoria do Bradesco afirmou que a entidade financeira “vai cumprir a legislação vigente e já trabalha na logística para retirada dos painéis”.
O UOL também procurou os representantes da Federação do Comércio do Rio de Janeiro (Fecomércio-RJ), mas a assessoria do órgão afirmou que nenhum representante da federação comentaria o assunto. O Sindicato dos Lojistas do Comércio do Município do Rio de Janeiro também não quis falar sobre o “Rio Limpo”.
A multa por descumprimento do decreto que cria o “Rio Limpo” será diária. No caso de reincidência ou persistência da irregularidade, o valor da multa será dobrado. Os responsáveis deverão arcar com os custos da retirada dos indicativos irregulares.